AS RELIGIÕES AFRO BRASILEIRAS




Estima-se que um total de 3.600.000 escravos foram transportados da África para o Brasil entre os séculos XVI e XIX (Bastide, 1978: 35), fazendo do Brasil o segundo maior importador de escravos do novo mundo. Durante este período, a população negra escrava era maior que a dos brancos que legislavam. Os escravos vieram principalmente da Nigéria, Daomé (atual Benin), Angola, Congo e Moçambique. Apesar da instituição escravagista ter quebrado as famílias e espalhado grupos étnicos através do país, os escravos conseguiram manter alguns laços com sua herança étnica. Isso aconteceu devido ao fato, entre outros, dos portugueses usarem a política de dividir para governar, separando os escravos em diferentes nações. O termo nações se refere ao local geográfico de um grupo étnico e sua tradição cultural (por exemplo, os que falavam Yorubá da Nigéria eram os Nagô, Ketu, Ijejá, Egba etc.) A conseqüência inesperada dessa divisão foi que o conceito de nação desempenhou um papel importante para a manutenção de várias identidades étnicas africanas e para a transmissão cultural e as tradições religiosas.
    Os escravos africanos eram proibidos de praticar suas várias religiões nativas.    A Igreja Católica Romana deu ordens para que os escravos fossem batizados e eles deveriam participar da missa e dos sacramentos.     Apesar das instituições escravagistas e da Igreja Católica Romana, entretanto, foi possível aos escravos comunicar, transmitir e desenvolver sua cultura e tradições religiosas. Houve vários fatos que os ajudaram a manter esta continuidade: os vários grupos étnicos continuaram com sua língua materna; havia um certo número de líderes religiosos entre eles; e os laços com a África eram mantidos pela chegada constante de novos escravos.
Entre as tradições religiosas africanas que exerceram influência nas religiões afro-brasileiras, o culto aos Orixás e Voduns foram de capital importância. Orixás e Voduns são divindades dos grupos da Nigéria e Benin que falam Yorubá e Jeje. Na África cada divindade preside um aspecto da natureza e uma família em particular. No Brasil, como a escravidão dividiu as famílias, eles se tornaram protetores dos indivíduos. O ponto central das religiões afro desenvolvidas no Brasil eram as festas para os Orixás e Voduns, que envolviam possessões de divindades e sacrifícios de animais.
As religiões afro-brasileiras constituem um fenômeno relativamente recente na história religiosa do Brasil. Por exemplo o primeiro terreiro de Candomblé, que é localizado no nordeste, mais precisamente na Bahia, é geralmente situado no ano de 1830. Estas novas religiões apareceram primeiro na periferia urbana brasileira, onde os escravos tinham maior liberdade de movimento e era capazes de se organizar em nações. Daí eles se espalharam por todo o país, e tomaram diversos nomes como Catimbó, Tambor de Minas, Xangó, Candomblé, Macumba e Batuques. O Candomblé, a mais tradicional e africana dessas religiões, se originou no Nordeste. Nasceu na Bahia e desde longa data tem sido sinônimo de tradições religiosas afro-brasileiras em geral. Desde o começo os pais-de-santos[2] buscavam re-africanizar a religião. Isto foi possível em parte, porque a rota dos navios entre Nigéria e Bahia, conservou viva a conexão com a África. Isso continuou mesmo depois da abolição da escravidão em 1888. Escravos libertos que puderam viajar para áreas dos Yorubás foram iniciados no culto dos Orixás e então, ao retornar ao Brasil, puderam fundar terreiros a revitalizar a prática religiosa. Quando as religiões afro-brasileiras começaram a aparecer, o conceito de nação ganhou nova força e significado, em parte como um símbolo de transmissão de tradições religiosas locais, e em parte como uma marca da identidade étnica.
Reafricanização ou não, as religiões afro-brasileiras ainda carregam os efeitos de sua interação com outras tradições religiosas, especialmente do Catolicismo. Os Voduns e Orixás foram justapostos com os santos católicos[4] e o interior dos terreiros possuía numerosos elementos católicos, incluindo e estátuas de santos, enquanto os objetos religiosos africanos eram escondidos. As religiões afro-brasileiras eram proibidas, e os terreiros eram freqüentemente visitados pela polícia. Por isso seus praticantes deviam sempre buscar caminhos para fortalecer a aparência católica dos Orixás e dos terreiros. O sincretismo se tornou assim estratégia de sobrevivência. Apesar de que a libertação dos escravos em 1888, a ratificação da Constituição Republicana em 1889 e a separação da Igreja e do Estado em 1890 foram caracterizados pelo mesmo espírito liberal, a república ainda proibia o Espiritismo. Esta proibição era dirigida especialmente contra as religiões afro-brasileiras, que eram denunciadas como baixo espiritismo. Nesta designação está implícito o preconceito social direcionado contra os membros destas religiões, que pertenciam aos setores mais baixos da sociedade brasileira.
    Os negros brasileiros não cabiam na modernização republicana. Inspirada pelas teorias raciais "científicas" européia e norte americana, a elite branca dominante via a população negra como uma desgraça ao caráter nacional brasileiro. (Skidmore 1974: 29).     O problema da cor da pele exigia de alguma forma uma solução, e a proposta dos intelectuais e das elites em geral era o embranquecimento.     A ideia era de que a miscigenação continuada poderia levar a um embranquecimento de toda a população brasileira. Isso poderia ser levado adiante e acelerado com a abertura do Brasil aos imigrantes europeus
A Desafricanização das Tradições Afro-Brasileiras Na Umbanda
    A Umbanda pode ser considerada uma síntese de diferentes tradições religiosas representadas pelos vários grupos étnicos e sociais do Brasil, que são freqüentemente antagônicos. Entretanto os umbandistas tem freqüentemente uma atitude ambígua em relação às tradições Afro-brasileiras. Isto reflete as tendências sócio-culturais dominantes na sociedade brasileira.
    A Umbanda se originou num período político turbulento que testemunhou, entre outros fenômenos, a emergência de movimentos nacionalistas e facistas. Esse desenrolar político culminou na ditadura de 1937, com o chamado Estado Novo. Foi durante este período de grande nacionalismo que a ideologia da democracia racial começou[7]. De acordo com esta ideologia, que era baseada no igualitarismo racial, os vário grupos teriam tido igual importância na formação da civilização brasileira. Esta ideologia deu assim um ímpeto na crença de que o preconceito racial não existia no Brasil. Seus efeitos já tinham começado a se fazer sentir no final da década de 1920, com a nacionalização e institucionalização da cultura Afro-brasileira. Práticas culturais como o carnaval e as escolas de samba, que tinham sido relegadas ao mais baixo status por causa de sua associação com a classe social dos negros eram agora reconhecidas como componentes importantes da cultura nacional (Brown 1994: 206). Os estudiosos brasileiros também começaram a se interessar seriamente pela cultura Afro-brasileira, que desde o início era considerada de um ponto de vista folclórico. Ao mesmo tempo a ditadura aboliu os movimentos negros que lutavam contra a discriminação racial, que continuou profundamente enraizada na realidade social.
    O espiritismo, especialmente o baixo espiritismo representado pelas religiões Afro-brasileiras, era ainda proibido por lei. Durante o período da ditadura, que também representa os anos de formação da Umbanda, a perseguição a pessoas envolvidas no espiritismo se intensificou. Com toda a certeza era a perseguição a pessoas envolvidas no baixo espiritismo (isto é, em religiões Afro-brasileiras), que levou os umbandistas a se identificarem com o espíritas (termo usado pelos espíritas kardecistas para se identificarem). Escolhendo esta auto identificação os umbandistas se associaram com o Kardecismo e com o alto espiritismo. Parece que o termo espírita foi usado para esconder nomes e para dissociar praticantes das novas religiões de sua ascendência Afro-brasileira, um gesto que traz a reminiscência da máscara católica das religiões Afro-brasileiras durante certo tempo[8].
    Como foi mencionado, a ideologia da democracia brasileira era, e é, manifestada como uma hegemonia branca. Este estado de coisas revela-se como primeira tentativa de legitimar a Umbanda como religião. A legitimação envolve a desafricanização e o esbranqueamento da Umbanda. Em 1939 alguns fundadores dos centros originais da Umbanda do Rio de Janeiro, inclusive Zélio de Moraes, estabeleceram a primeira federação da umbanda, a União Espírita da Umbanda do Brasil (UEUB). A federação foi criada para organizar a Umbanda como uma religião coerente e hegemônica e assim obter legitimação social. Em 1941 a UEUB realizou a primeira conferência sobre o Espiritismo da Umbanda, que foi uma tentativa para definir e codificar a Umbanda como uma religião com direitos próprios, e como uma religião que une todas as religiões, raças e nacionalidades.     A conferência é ainda conhecida por promover maior dissociação com as religiões Afro-brasileiras. Os participantes concordaram em fazer dos trabalhos de Allan Kardec a doutrina fundante da Umbanda. Mas os espíritos fundamentais da Umbanda, os Caboclos e o Pretos Velhos ainda permanecem como espíritos muito evoluídos. Pode-se afirmar que os participantes se esforçaram para legitimar a Umbanda como uma religião bastante evoluída. Por exemplo declarou-se que a Umbanda existiu como uma religião organizada por bilhões de anos, e estava assim à frente de outras religiões.
    Neste esforço para legitimar a Umbanda como uma religião original e evoluída, os participantes procuraram cortá-la de suas raízes Afro-brasileiras. A origem da Umbanda foi traçada no Oriente de onde, se dizia, teria se espalhado para a Lemúria (um continente perdido), e daí para a África[9]. Na África, continua a estória, a Umbanda degenerou em feiticismo. Desta forma foi trazida para o Brasil pelos escravos negros. (Federação Espírita de Umbanda 1942: 44-47). A influência africana da Umbanda não era assim negada, mas olhada como uma corrupção da tradição religiosa original, na sua fase anterior de evolução. A Umbanda, teria ficado exposta ao barbarismo africano, na forma vulgar dos costumes, praticada por povos de costumes rudes, defeitos psicológicos e étnicos. (Ibid.: 116).     Outro jeito de sublinhar o caráter africano da Umbanda foi expresso no reconhecimento de que ela se originou na África, mas na África oriental (Egito), portanto na parte mais ocidental e civilizado do Continente.
Um dos objetivos da conferência era desta forma traçar as raízes genuínas da Umbanda do Oriente. A invenção de raízes orientais- somada à negação das africanas- refletiu na definição do termo Umbanda, que se crê geralmente ser derivado da língua Banto. Declarou-se que umbanda teria vindo do Sânscrito aume bhanda, termos que foram traduzidos como "o limitado no ilimitado", "Princípio Divino, luz radiante, fonte de vida eterna, evolução constante" (Ibid.: 21-22). Os participantes se esforçaram em associar a Umbanda com coisas como as tradições religiosas esotéricas européias e as novas correntes religiosas da Índia, representada pela Vivekananda.
A influência africana da Umbanda foi reconhecida como uma mal necessário que serviu meramente para explicar sua chegada e desenvolvimento no Brasil. O Candomblé, centralizado no nordeste do Brasil, era olhado como um estágio anterior da Umbanda, que havia se desenvolvido no sudeste. O Candomblé estava ainda marcado pela barbárie dos rituais africanos e assim associado com a magia negra. A lavagem branca da origem da Umbanda era expressa em termos como umbanda pura, umbanda limpa, umbanda branca e umbanda da linha branca no sentido de "magia branca". Estes termos contrastavam com magia negra e linha negra que estavam associados com o mal. Além disso, a divisão dos espíritos estabelecida, desenhou a linha entre aqueles da direita (bons), representados pela Umbanda, e os espíritos da esquerda (maus), representados pela magia negra. As únicas instâncias de identificação positiva da influência africana da Umbanda tem a ver com os Pretos Velhos (que eram vistos como pessoas simples e humildes, mas espíritos muito evoluídos), e com a África como um continente heróico e sofredor.


A atitude dos participantes em relação à herança religiosa africana era assim caracterizada pela ambigüidade. Elas eram positivas e negativas, oscilando da tentativa de dissocia-los das tradições religiosas africanas até sua atitude distintamente paternalista para com a África, a quem classificavam com a imagem de humilde escrava. Os negros brasileiros eram aceitos porque afinal tinham alma branca.


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